Se essa doutrina é o mesmo que sabedoria?

08.novembro.2021

Se essa doutrina é o mesmo que sabedoria?

Objeção 1: Parece que essa doutrina não é o mesma que sabedoria. Pois nenhuma doutrina que empresta seus princípios é digna do nome da sabedoria; vendo que o homem sábio dirige, e não é dirigido (Metafísica I). Mas essa doutrina empresta seus princípios. Portanto, essa ciência não é sabedoria.


Objeção 2: Além disso, faz parte da sabedoria provar os princípios de outras ciências. Por isso, é chamado chefe de ciências, como fica claro na ética. vi. Mas essa doutrina não prova os princípios de outras ciências. Portanto, não é o mesmo que sabedoria.


Objeção 3: Além disso, essa doutrina é adquirida pelo estudo, enquanto a sabedoria é adquirida pela inspiração de Deus; de modo que seja contado entre os dons do Espírito Santo (Isaías 11. 2). Portanto, essa doutrina não é a mesma que sabedoria.


Pelo contrário, está escrito (Deuteronômio 4. 6): "Esta é a sua sabedoria e entendimento aos olhos das nações".


Eu respondo que: Esta doutrina é a sabedoria acima de toda a sabedoria humana; não apenas em qualquer ordem, mas absolutamente. Pois, como é parte de um homem sábio organizar e julgar, e como assuntos menores devem ser julgados à luz de algum princípio superior, diz-se que ele é sábio em qualquer ordem que considere o princípio mais alto nessa ordem: assim, na ordem de construção, quem planeja a forma da casa é chamado sábio e arquiteto, em oposição aos trabalhadores inferiores que cortam a madeira e preparam as pedras: "Como arquiteto sábio, eu estabeleci as bases" (1 Coríntios 3. 10). Novamente, na ordem de toda a vida humana, o homem prudente é chamado de sábio, na medida em que direciona seus atos para um fim adequado: "A sabedoria é prudência para o homem" (Provérbios 10. 23).) Portanto, quem considera absolutamente a causa mais elevada de todo o universo, a saber Deus, é sobretudo chamado de sábio. Portanto, diz-se que a sabedoria é o conhecimento das coisas divinas, como diz Agostinho (Sobre a Trindade XII, 14). Mas a doutrina sagrada trata essencialmente de Deus, vista como a causa mais alta - não apenas até onde Ele pode ser conhecido através das criaturas, exatamente como os filósofos o conheciam - "O que é conhecido por Deus se manifesta nelas" (Romanos 1. 19) - mas também na medida em que Ele é conhecido somente por Ele e revelado aos outros. Portanto, a doutrina sagrada é chamada especialmente de sabedoria.


Resposta à objeção 1: A doutrina sagrada deriva seus princípios não de nenhum conhecimento humano, mas do conhecimento divino, através do qual, como através da mais alta sabedoria, todo o nosso conhecimento é colocado em ordem.


Resposta à Objeção 2: Os princípios de outras ciências são evidentes e não podem ser provados, ou são provados pela razão natural por alguma outra ciência. Mas o conhecimento próprio dessa ciência vem da revelação e não da razão natural. Portanto, não há preocupação em provar os princípios de outras ciências, mas apenas em julgá-las. Tudo o que é encontrado em outras ciências, contrário a qualquer verdade desta ciência, deve ser condenado como falso: "Destruir conselhos e toda altura que se exalte contra o conhecimento de Deus" (2 Coríntios 10. 4,5).


Resposta à objeção 3: Visto que o julgamento pertence à sabedoria, a dupla maneira de julgar produz uma dupla sabedoria. Um homem pode julgar de uma maneira por inclinação, como quem tem o hábito de uma virtude julga corretamente o que diz respeito a essa virtude por sua própria inclinação para com ela. Portanto, é o homem virtuoso, como lemos, quem é a medida e o governo dos atos humanos. De outro modo, pelo conhecimento, assim como um homem aprendido em ciências morais poderia julgar corretamente os atos virtuosos, embora ele não tivesse a virtude. A primeira maneira de julgar as coisas divinas pertence à sabedoria estabelecida entre os dons do Espírito Santo: "O homem espiritual julga todas as coisas" (1 Coríntios 2. 15) E Dionísio [1] diz (De divinis nominibus - Nomes Divinos II): "Hieroteu é ensinado não pelo mero aprendizado, mas pela experiência das coisas divinas". A segunda maneira de julgar pertence a essa doutrina que é adquirida pelo estudo, embora seus princípios sejam obtidos por revelação.


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Tomás de Aquino

Suma Teológica. Primeira parte: A natureza e a extensão da doutrina sagrada.


Notas: 

[1] - Pseudo-Dionísio, o Areopagita, século V-VI.